Racismo ambiental e crise climática afetam os mais vulneráveis
Em momentos de crise climática, as classes mais altas seguem sem sofrer grandes impactos enquanto populações mais vulneráveis perdem suas casas, vidas e até precisam migrar de seus territórios. Nesse cenário existe um conceito que nos ajuda a explicar essa desigualdade.
O termo "racismo ambiental" surgiu nos anos 1980 e foi cunhado pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., químico, reverendo e líder do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. O conceito ganhou destaque durante os protestos contra depósitos de resíduos tóxicos no estado da Carolina do Norte (EUA), onde a maioria da população era negra.
O racismo ambiental refere-se às injustiças ambientais que afetam desproporcionalmente comunidades racializadas e marginalizadas. Essas populações enfrentam maiores riscos e impactos adversos em situações de desastres climáticos devido a uma combinação de fatores históricos, sociais e econômicos.
Neste artigo, propomos um entendimento sobre como o racismo ambiental se manifesta em contextos de desastres climáticos, explorando dados e exemplos específicos para ilustrar essa desigualdade.
Por que o racismo ambiental afeta os mais vulneráveis?
As comunidades de baixa renda, assim como as comunidades tradicionais, geralmente residem em áreas mais suscetíveis a desastres e à poluição devido a políticas de zoneamento, exploração ambiental de territórios, desenvolvimento urbano e negligência histórica por parte das autoridades. Desastres climáticos, como enchentes, desmoronamento e ondas de calor, afetam essas populações de maneira desigual.
A seguir, listamos os principais motivos pelos quais o racismo ambiental impacta essas populações de maneira mais intensa.
Histórico de segregação e desigualdade
Comunidades marginalizadas, especialmente aquelas compostas por pessoas negras, vivem em áreas que foram historicamente negligenciadas por políticas públicas. Essas áreas tendem a ter menos infraestrutura, serviços de saúde e recursos de emergência. A segregação racial ao longo do tempo resultou na concentração de grupos vulneráveis em regiões com maior exposição a riscos ambientais, como zonas de enchentes e proximidade de indústrias poluentes, rodovias e aterros sanitários.
Baixo poder econômico
Populações vulneráveis geralmente têm menos recursos financeiros para investir em moradias seguras e em infraestrutura que possa mitigar os efeitos de desastres ambientais. A falta de recursos também impede a mobilidade dessas populações, limitando suas opções para se mudarem para áreas menos suscetíveis a riscos climáticos, o cenário atual de crise no Rio Grande do Sul é um grande exemplo dessa falta de mobilidade de comunidades mais pobres. Além disso, a capacidade de recuperação após desastres é menor, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade.
Falta de representação política
Ainda precisamos avançar, e muito, no que tange a representação de pessoas historicamente marginalizadas em processos decisórios políticos e de planejamento urbano. Essa falta de voz significa que suas necessidades e preocupações não são priorizadas na formulação de políticas ambientais. Consequentemente, essas comunidades são menos protegidas contra os impactos de desastres climáticos e menos beneficiadas por iniciativas de adaptação e mitigação.
Exploração de territórios sustentáveis
Territórios indígenas e tradicionais sofrem exploração por indústrias extrativistas, mineração, agropecuária, entre outras. A falta de políticas de demarcação eficazes junto à aprovação de projetos de lei que flexibilizam a legislação ambiental ou ações como o "marco temporal", facilitam a apropriação e degradação dessas terras. Isso não apenas ameaça a biodiversidade, mas também expõe estas comunidades a maiores riscos de desastres ambientais e perda de território
O que os estudos revelam sobre o racismo ambiental no Brasil e no mundo?
Relatórios e pesquisas no Brasil e no mundo mostram que comunidades onde a maioria das pessoas são negras sofrem mais durante e após desastres climáticos, tanto em termos de perdas materiais quanto de recuperação econômica. A seguir, alguns dados:
- Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas, a maioria no Sul Global, estão sob risco devido ao calor extremo por falta de acesso a equipamentos de resfriamento do ar.
- A destruição causada por furacões, como Katrina em 2005, evidenciou como comunidades negras e pobres de New Orleans sofreram com a falta de infraestrutura e resposta inadequada das autoridades.
- Publicado em 2021, o relatório da Science Admanships mostrou que nos EUA, pessoas negras e hispânicas têm exposição 75% maior à poluição do ar do que pessoas brancas.
- Segundo o IBGE, no Brasil, enquanto 26,7% das pessoas brancas têm ar-condicionado em casa, já a proporção de pessoas pretas e pardas com acesso a esse bem é de 12,6% e 15,3% respectivamente.
- Os dados do Instituto Trata Brasil mostram que entre as pessoas sem acesso ao abastecimento de água, 66% são negras, e 70,2% dos que vivem sem água tratada estão abaixo da linha da pobreza.
- O estudo “Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades” realizado pelo Instituto Pólis em 2022 nas cidades de São Paulo, Recife e Belém, mostrou que as pessoas negras e de baixa renda são maioria nas áreas menos dotadas de infraestrutura e serviços ambientais básicos e são as mais afetadas pelos desastres e crimes ambientais no país.
- No desastre de Mariana em Minas Gerais, 84,5% das vítimas do rompimento da barragem eram negras. A lama tóxica contaminou as águas do rio, comprometendo a subsistência de comunidades ribeirinhas e do povo indígena Krenak.
- Em 2019, no rompimento da barragem em Brumadinho, também em Minas Gerais, 58,8% dos 259 mortos e 70,3% dos 11 desaparecidos se declararam como não brancos e tinham renda média abaixo de 2 salários mínimos. O desastre trouxe injustiça ambiental para a população da região, incluindo o povo pataxó.
- Na atual tragédia do sul do Brasil, o Núcleo do Observatório das Metrópoles, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mapeou as regiões alagadas na região metropolitana de Porto Alegre e identificou que as áreas mais pobres foram as mais atingidas.
Racismo ambiental no Quênia
No contexto do Quênia, o racismo ambiental também se manifesta de forma problemática. Em maio deste ano, devido às chuvas torrenciais, milhares de pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas. As escolas estiveram fechadas durante várias semanas. As inundações causaram outra epidemia de cólera, com 48 casos notificados.
Comunidades como as de Kabiria, onde a Hai África está presente, sofrem frequentemente com a falta de infraestrutura adequada para enfrentar desastres climáticos, como enchentes sazonais. A falta de saneamento básico, moradias inadequadas e acesso limitado a serviços de emergência agravam os impactos desses eventos.
O clima mudou, e nós também precisamos mudar
É urgente a necessidade de mudança! O racismo ambiental é uma realidade que amplifica os impactos dos desastres climáticos sobre as populações vulneráveis. Mas, como combater o racismo ambiental?
Compreender essa desigualdade é o primeiro passo para implementar políticas justas e eficazes. Organizações como a Hai Africa desempenham um papel crucial na mitigação desses impactos, promovendo a educação, o empoderamento e o desenvolvimento sustentável nas comunidades afetadas.
Também é preciso lembrar que o enfrentamento ao racismo ambiental vai além da solidariedade. As ações de combate devem ser constantes e estruturais. Isso inclui a responsabilidade de votar estrategicamente em políticos que levem a sério a pauta ambiental e estejam comprometidos em representar as comunidades mais vulneráveis. Esses líderes precisam adotar políticas que garantam a justiça climática, promovendo a igualdade no acesso a recursos e a proteção contra os desastres climáticos.
A ação política é uma das ferramentas mais poderosas para provocar mudanças significativas e duradouras.
Autoria: BC ♡ Marketing para quem transforma o mundo