O que o protagonismo feminino da comunidade do Kabira pode nos dizer?
O destaque das mulheres da comunidade do Kabira na criação e na subsistência de seus filhos alia práticas de cuidado à atuação política.
No entanto, esse protagonismo feminino não é nada romântico: é uma construção social marcada por violências de todos os tipos.
No entanto, essas formas de atuação transcendem os limites individuais de suas vidas e se transformam em uma atuação política e coletiva — que estão mudando a realidade de suas vidas.
É a partir desse cotidiano que as mulheres se fortalecem e fortalecem umas às outras. Essas práticas são um pontapé para outros tipos de geração de autonomia feminina, especialmente para as próximas gerações.
O que é protagonismo feminino?
O significado de “protagonismo” é a capacidade de uma pessoa de tomar ações que influenciam o resultado de uma situação.
Ou seja, é a capacidade de enfrentar e resolver os desafios que surgem, sem esperar que alguém faça algo por si.
Então, como o próprio nome sugere, o protagonismo feminino compreende situações em que mulheres assumem a responsabilidade (e as consequências) por suas próprias ações e pelas situações que vivem.
Mas por que nem sempre o protagonismo feminino é o que parece?
Quando se fala em protagonismo feminino, é provável que venha à sua cabeça situações em que mulheres saem do papel de coadjuvante e assumem o papel principal da própria história.
É verdade que, muitas vezes, essas histórias têm finais felizes. São narrativas de mulheres que abandonam situações de violência, que questionam padrões abusivos, que se libertam sozinhas em busca de uma vida melhor.
No entanto, nem sempre o protagonismo feminino é uma escolha — muito menos se refere somente a situações saudáveis.
É só você pensar, por exemplo, na quantidade de mulheres que, sem ter outra saída, precisam assumir sozinhas o sustento e a criação de seus filhos.
Ou, então, na quantidade de mulheres que tomam a frente de iniciativas dentro dos seus bairros e comunidades para superar alguma situação de crise. E por quê isso?
A história mostra que esse papo não é de hoje. As mulheres são as pessoas que sentem, mais rápido e mais forte, as consequências de momentos de crise dentro de suas casas.
Durante a Ditadura Militar, nos anos 1970, foi criado o Movimento Custo de Vida, liderado por mulheres que sentiram as consequências da alta inflação nas refeições de suas famílias.
É a mesma situação de mulheres que assumem as cozinhas populares solidárias e produzem centenas de refeições.
Entre tantos outros, esses são exemplos que comprovam a força política que nasce a partir de experiências diárias de mulheres, especialmente dentro de recortes de classe e de raça.
Ou seja, o destaque das mulheres em todas as práticas que aliam cuidado à atuação política. No entanto, esse protagonismo feminino não é nada romântico: é uma construção social.
O protagonismo feminino na comunidade do Kabira no Quênia
Desde a época da fundação do Hai África, em 2015, o cenário social e político já era muito claro, especialmente em relação à existência de inúmeras violências — umas mais nítidas e perceptíveis (como a fome) e muitas outras mais sutis.
A realidade das famílias dos alunos e das alunas era majoritariamente a mesma: mulheres que, diante do abandono dos pais, criam e sustentam seus filhos sozinhas.
A história de vida dessas mulheres não foge do que apontam as estatísticas: mães solo, analfabetas ou semi-analfabetas, únicas responsáveis pela renda da casa.
E mais: a maioria delas já sofreram (ou ainda sofrem) algum tipo de violência doméstica e sexual.
O contexto dessas mulheres bateu na porta do Hai África, na medida que precisavam encontrar alternativas para essas situações que influenciam diretamente na vida dos babies.
O panorama de vida dessas mulheres precisava mudar para garantir que os babis conseguissem se alimentar aos finais de semana e que pudessem retornar às aulas nas segundas-feira nutridos para mais um dia de aula.
Essas alternativas compreendem os pilares de empoderamento feminino da cartilha de Organização das Nações Unidas para as Mulheres e tornaram as mulheres da comunidade do Kabira peças fundamentais para a efetividade do trabalho do Hai.
A visão de empoderamento, nesse ponto, não considera apenas o fortalecimento, mas também a autonomia e emancipação das mulheres (individual e coletivamente).
Protagonismo feminino tem relação direta com o tipo de empoderamento que Rodrigo Rossi e Giselle Meirelles descreveram no livro “Problematizando o conceito de empoderamento”:
“[empoderar é o] processo no qual indivíduos, organizações e comunidades adquirem recursos que lhes permitem ter voz, visibilidade, influência e capacidade de agir e decidir sobre a sua própria vida”.
As mamas e o princípio 7: promover a igualdade através de iniciativas e defesa comunitária
Um grupo de mulheres está reunido em um pequeno cômodo. Todas estão sentadas, a maioria no chão. Enquanto algumas costuram tecidos coloridos, umas trançam com ajuda dos pés e outras lixam para finalizar o acabamento de peças cuidadosamente desenhadas.
Junto a elas, estão seus filhos, que seguem brincando ou dormindo em tecidos coloridos e amarrados em suas costas.
Essa é a rotina das nossas mamas, nome carinhosamente dado às mulheres que trabalham confeccionando produtos para a loja do Hai África: a Loja das Mamas.
São elas que, em meio a uma série de adversidades diárias, encontram formas de garantir a subsistência de seus filhos: seja confeccionando acessórios ou vendendo verduras, ovos e outros alimentos nas ruas para complementar a renda familiar.
A Loja das Mamas, em parceria com a Project Três, foi (e é) uma construção coletiva que se tornou realidade para impactar a vida destas mulheres.
Embora haja um cenário de escassez e adversidades, nossas mamas são sinônimo de resiliência e coragem.
A autora Isabel Maria Casimiro, nos conta em seu livro “Paz na Terra, Guerra em Casa” que as mulheres resistem e se reinventam a partir de suas necessidades de sobrevivência.
Inclusive, a autora chamou esse fenômeno de “feminismo popular” — que é o processo pelo qual as mulheres conseguem buscar respostas imediatas às necessidades objetivas de sobrevivência, ainda que sem consciência da luta feminista que elas mesmas protagonizam.
As teachers e colaboradoras e o princípio 4: promover a educação, a formação e o desenvolvimento profissional de mulheres
O planejamento de aula está finalizado, a sala de aula organizada, os materiais que serão utilizados também, o cardápio já está definido e em poucos minutos os babies chegarão para mais um dia de aula.
Toda essa rotina no Hai Centre tem participação e protagonismo de cinco mulheres: Leah, Anitte, Jane, Fanice e Violet.
São estas as mulheres que tornam o trabalho com os nossos babies uma realidade, seja em sala de aula, seja na limpeza, seja no preparo dos lanches servidos para eles com muito carinho e amor diariamente.
Nossas teachers: Leah, Anitte, Jane, são mulheres que nasceram e moram na comunidade do Kabiria.
Cada uma delas chegou ao Hai Africa em momentos diferentes, mas apresentam características similares: a dedicação pelo trabalho que executam e o carinho com que encaram a formação dos nossos babies.
Todas têm formação em Pedagogia Waldorf e especialização em Psicologia da Infância, custeadas pelo Hai para que pudessem se aperfeiçoar.
É o que contou nossa teacher Leah Kathambi:
"Eu não consegui ir para uma faculdade, mas eu tinha o sonho de frequentar uma. Foi, por meio do Hai, que eu consegui ir para a faculdade. Venci na vida, eu sinto”.
O que Leah relata sobre a dificuldade de frequentar a faculdade é uma realidade no Quênia, em que o número de matrículas de mulheres representa quase a metade do número de homens.
Além do mais, quando conseguem ingressar no ensino formal, a taxa de evasão escolar de mulheres é muito alta.
Segundo dados das Nações Unidas, as mulheres quenianas em zonas urbanas têm em média 11 anos de estudo, enquanto nas zonas rurais chegam apenas a 2 anos.
O trecho extraído do relatório a Oxfam “a educação de meninas na África” aponta os fatores que constroem esse panorama:
“O desenvolvimento educacional de meninas, por exemplo, varia muito por causa de fatores culturais, econômicos e geográficos. A religião, a distância de centros urbanos, as práticas de casamento, os padrões de migração, o castigo das doenças, as demandas sazonais de trabalho e os fluxos de caixa, entre outros fatores, contribuem para as diferenças em termos de matrícula e da retenção de meninas dentro do mesmo país.”
Outra triste realidade é a pobreza menstrual, que faz com que muitas meninas desistam dos estudos no período da puberdade. Além dos tabus que envolvem a saúde das mulheres, a vergonha predomina o tema e faz com que o assunto cresça cercado de mitos e superstições.
Mas para Fanice e Violett, a realidade de seus filhos pode ser diferente, já que além da escolarização eles estão conhecendo um mundo diferente:
“Eu era uma mãe solteira. Como conseguir uma vaga na escola? Era muito difícil. Mas estou feliz porque minha filha está na escola”, diz Fanice Mukoma.
O relato parecido é de Mary Wanjiku, mãe de dois dos nossos babies e moradora da comunidade do Kabiria: “Vocês deram a educação do meu filho. Eu estou feliz, da maneira como fui criada...com meus filhos não será assim. É isso que eu quero, eu quero que meus filhos sejam escolarizados”.
Como auxiliar o protagonismo feminino com o Hai África?
Outra forma de auxiliar a promoção do empoderamento feminino é contribuindo com as ações do Hai África. O Hai África é uma organização sem fins lucrativos que nasceu, em 2015, após uma viagem de voluntariado à África.
Em 4 de maio de 2015, em uma pequena casa em Kabiria (região nos subúrbios de Nairobi, capital do Quênia), a fundadora Mariana abriu as portas do Hai para fornecer refeições e atividades criativas para 13 crianças da comunidade — número máximo acolhido em seu orçamento inicial.
Atualmente, o Hai é um centro que faz parte da transformação da comunidade Kabiria, promovendo o desenvolvimento de mulheres através de novas capacitações profissionais e das crianças por meio da educação humanizada e da nutrição saudável. O Hai também apoia a economia local efetuando todas as suas compras no comércio da própria comunidade.
Ao longo dos anos, o Hai África se tornou um centro que atende mais de 40 crianças (os nossos “babies”), tem 6 funcionários locais, gera renda e dá oportunidade a 15 mulheres (carinhosamente conhecidas como ‘’mamas’’), financia a educação de 3 professores e a educação contínua de 29 crianças na escola primária.
Se você se interessou pela história do Hai, pode ajudar das seguintes formas:
- Você pode fazer doações em dinheiro e apadrinhar as crianças a partir de R $10. A doação é segura e debitada em crédito mensalmente.
- Você pode fazer doações de roupas, sapatos, móveis e utensílios domésticos ou comprar no bazar do Hai.
- Você pode fazer trabalho voluntário no Hai e ter uma recepção de braços abertos e incentivo a explorar suas habilidades únicas.
- Você pode convidar o Hai para participar do seu evento e compartilhar as histórias de impacto e transformação.
- Você pode se tornar uma organização parceira do Hai e unificar esforços para alcançar objetivos comuns.
E aí, como você pode ajudar a impulsionar a transformação que o Hai África já começou?